“A incorporação de Portugal à Monarquia Hispânica mediante uma união dinástica foi um importante capítulo da história europeia. Após longos anos de peleja dos cristãos na Reconquista, a reintegração da Península Ibérica foi um projeto religioso e político que ganhou muitos partidários ao longo do século XVI e por pouco não ocorreu no reinado de D. Manuel, concretizando-se com Filipe II. A monarquia dual simbolizava, portanto, o sucesso desse propósito de recomposição da cristandade. Além de celebrar a união de dois reinos com extensas dimensões imperiais. A notoriedade desse acontecimento, entretanto, contrasta com a marginalidade de seus estudos na produção histórica. A União Ibérica foi preterida por representar a perda da soberania para um rei estrangeiro. Conforme Hernani Cidade, ‘Quando, em 1580, morre Camões, Portugal imerge na sombra da sua subalternidade na monarquia dual filipina, onde correu o risco de submergir-se como Nação’. Essa forma de conceber a união dos reinos tornou reduzidos os trabalhos que contemplaram o período, sendo que a escrita foi marcada por um sentimento de lástima e melancolia. As perspectivas assumidas pelos estudiosos de História Política nos últimos anos se mostraram fundamentais para questionar esse tipo de abordagem dotada de acentuado caráter nacionalista, bem como incentivar as pesquisas acerca desse singular período da história lusa.
Dentre os historiadores que partilharam do esforço está António M. Hespanha. O historiador advoga que, embora os muitos testemunhos de época indiquem um claro e extenso sentimento anticastelhano, o significado político do nacionalismo deve ser relativizado para não se cair em proposições anacrônicas. No momento da união dos reinos, a legitimidade era mais importante que qualquer consideração nacionalista, principalmente aquelas relacionadas à naturalidade do novo rei. Inclusive, a existência de reis não naturais era algo comum no panorama político de toda Europa, o que tornava difícil o estabelecimento de qualquer teoria jurídica e de legitimidade pautada no requisito da naturalidade para o poder real.
Outro historiador que criticou o caráter nacionalista da historiografia lusa foi Jean-Fréderic Schaub. Segundo ele, a compreensão da união das coroas e do movimento restauracionista a partir da ideia de perda e recuperação da soberania nacional, presente na historiografia portuguesa dos séculos XIX e XX, esteve ancorada em tradições textuais oriundas dos discursos políticos daqueles que vivenciaram a Restauração e buscaram justificá-la. Observa-se que, diferente dos sessenta anos que marcaram a integração das coroas, o movimento restauracionista dispôs de grande prestígio historiográfico, à medida que representava, por sua vez, a viragem dinástica que culminou na independência de Portugal. De tal modo que, o Dicionário de História de Portugal, publicado na década de 1960, não há um verbete destinado à União Ibérica; a discussão sobre o período é incorporada ao verbete sobre a Restauração, para justificar as ações empreendidas pelos participantes do golpe, escrito por Vitorino Magalhães Godinho. O historiador recorre à União Ibérica a análise para justiçar as ações empreendidas pelos participantes do golpe”.
Sobre este documento
Daniela Rabelo Costa Ribeiro Paiva. “Contributos da Nova História Política nos estudos referentes à União Ibérica”. Anais do I Seminário em História Política e do Poder da UFF e IV Colóquio Internacional do LCP Poder da UFF e IV Colóquio Internacional do LCP: Poder e Política: Pensando a Tolerância e a Cidadania (25 a 28 de setembro de 2012). Disponível em: ttp://www.historia.uff.br/lcp/files/2012_coloquio_anais.pdf#page=58
Daniela Rabelo Costa Ribeiro Paiva