Escravos e assalariados na antiga pesca da baleia
Texto Acadêmico

“Do século XVII ao XIX, capitais particulares possibilitaram o estabelecimento de antigos núcleos baleeiros e a exploração da pesca da baleia na costa brasileira. Engenho de frigir, casa grande da Armação, campanhas de baleeiros, capela, senzalas e dezenas de construções erçueram-se [sic] nas proximidades dos aglomerados humanos marítimos e lembraram o velho engenho de moer cana, para o qual convergiam as múltiplas dependências da antiga indústria açucareira. Concentraram técnicas, aparelhagens e mão-de-obra assalariada e servil, para as arriscadas lidas marítimas a primeira e a segunda destinadas às fábricas de beneficiamento do óleo das baleias e aos serviços terrestres, em geral intensificados e estenuantes à época das safras, mais lentos, todavia, no desgaste do capital humano representado pelo escravo incorporado àquela indústria. (…)

Alojado nas senzalas, vestido de jalecos–_véstias_–calções, calças compridas ou curtas, ceroulas, camisas e mantos de pano azul, aniagem, estôpa ou algodão grosso, alimentavam-no com rações de farinha de mandioca e carne-sêca–xarque– ou peixe fresco ou salgado, à falta de carne. (…) Convinha conservar-lhe a saúde e prolongar-lhe a vida. Cabiam-lhe, também, rações de fumo e porções de aguardente, a título de recompensa ou remédio.

Quanto à assistência religiosa, essa também não lhe teria faltado. (…) Negras, (…) rara vez eram importadas. Uma ou duas, se necessárias, em lotes de vinte ou mais escravos. Destinavam-se às tarefas domésticas, ou a título de recompensa ao escravo eficiente merecedor de companhia que lhe minorasse as agruras da escravidão passada à beira de fornalhas e caldeiras, ou no desmancho das baleias e na derrubada das matas e transporte de lenha. (…) Preparada assim, para o matrimônio, da união abençoada pelo padre do lugar, o núcleo baleeiro receberia para o futuro nôvo elemento humano– moleques e *molecotes*– que automaticamente se incorporaria ao patrimônio da Armação. (…)

Assistido em vida com morada e vestuário, alimento e remédios, batismo e casamento, também o era na morte, conforme as prescrições da piedade cristã. (…)

Tantos cuidados não receberam os assalariados…

Negros inativos sem valor, existiam em todas as Armações. Na Nossa Senhora da Piedade, em 1816, eram 45, entre os quais 20 decrépitos, um com moléstia incurável, outro com chagas cancerosas, um doido, outro maníaco, um manco, asmático cinco, um com moléstia crônica no peito, um cego, seis aleijados da mão, do braço e da perna, quebrados três, dos quais um das duas virilhas. Era este caso frequente entre os escravos das Armações que participavam das tarefas de arrastamento dos volumosos cetáceos para a terra. Quebrado das virilhas, doente de uma hernia, rendido das virilhas ou quebrado quebrado e inchado, arrebentado do peito, aleijado, descadeirado são expressões que designam (…) o escravo acidentado em serviço.

Quanto aos outros males, escravos estuporados, paralíticos de um ou mais membros, coxos, curvados pela cintura, defeituosos, reumáticos, de pé cortado, com erisipela ou com moléstia crônica, trêmulos, cegos, caolhos, atacados de gota, doentes do peito eram frequente e muitos denunciam certamente más condições de vida e de trabalho dos antigos entrepostos baleeiros do Brasil”.

Glossário

Moleques: pequeno, de pouca idade; menino negro.
Molecotes: moleque encorpado, moleque taludo.
Erisipela: inflamação da pele com dores na parte inflamada e rubor mais ou menos pronunciado, acompanhada pela aparição de bolhas ou pequenas vesículas cheias de serosidade, que se secam no fim de alguns dias. É causada pelo Streptococcus erysipelatis ou de Fehleisen.

AULETE, Caldas. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa [Portugal]: Parceria Antonio Maria Pereira, 1925, Disponível em: http://www.auletedigital.com.br/

Sobre este documento

Título
Escravos e assalariados na antiga pesca da baleia
Tipo de documento
Texto Acadêmico
Palavras-chave
Conflito Internacional Refugiados
Origem

Myriam Ellis. Escravos e assalariados na antiga pesca da baleia (Um capítulo esquecido da história do trabalho no Brasil Colonial). In: Eurípedes Simões de Paula. Anais do VI Simpósio Nacional de Professores Universitários de História: Trabalho livre, trabalho escravo. vol. 1. São Paulo: Brasil, 1973. Acessado em: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S06.11.pdf

Créditos

Myriam Ellis