Testamento de Bartolomeu da Cunha Gago
Documento Legal

“Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito Santo, três pessoas e um só Deus verdadeiro. Saibam quantos este instrumento virem como no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil seiscentos e oitenta e cinco, aos dezesseis dias do mês de janeiro, eu, Bartolomeu da Cunha, estando doente em cama, e em meu perfeito juízo e entendimento (…), temendo-me da morte e desejando pôr minha alma no caminho da salvação (…), faço este testamento na forma seguinte.

Primeiramente encomendo minha alma à Santíssima Trindade, que a criou, e rogo ao Padre eterno, pela morte e paixão de seu unigênito Filho a queira receber, como recebeu a sua, estando para morrer na árvore de Vera Cruz. (…). E peço a gloriosa Virgem Maria (…) e a todos os santos da corte celestial (…) a quem tenho devoção, queiram por mim interceder e rogar ao meu Senhor Jesus Cristo, agora e quando a minha alma deste corpo sair. Porque, como verdadeiro cristão, protesto de viver e morrer na santa fé católica e querer o que tem e crê a Santa Madre Igreja de Roma (…). Rogo e peço a minha mulher, Maria Portes del Rei, juntamente com meu cunhado, Tomé Portes del Rei, e em segundo lugar a Manuel Rodrigues Moreira, por serviço de Deus e por me fazerem mercê, queiram ser meus testamenteiros.

1. Meu corpo será sepultado no Convento da gloriosa Santa Clara, desta vila, abaixo do arco da capela-mor, junto do altar de Nossa Senhora da Conceição (…). E peço ao muito Reverendo padre vigário, (…) queira acompanhar meu corpo com a cruz da fábrica da igreja; e assim mais peço me acompanhe o meu corpo os Irmãos da Confraria do Senhor, (…) e assim mais os Irmãos das Almas, (…) da Confraria de São Miguel (…) às quais se dará a esmola costumada (…). Deixo de esmola, por minha alma, a Nossa Senhora da Conceição do Convento de Santa Clara, uma peça de pano; deixo também de esmola ao glorioso patriarca São Francisco das Chagas, padroeiro desta vila, uma peça de pano; e assim mais duas de esmola ao glorioso Santo Antônio e ao glorioso São Miguel, da matriz, a cada um uma peça de pano. E peço a minha mulher e aos meus testamenteiros se paguem destas novidades.

2. Declaro que se faça um ofício de nove lições por minha alma, e se digam mais por minha alma duzentas missas (…).

3. Declaro que sou natural de vila de São Paulo, filho legítimo de Antonio da Cunha Gago e Marta de Miranda, de legítimo matrimônio, e sou casado em face da Igreja, em Santa Ana das Cruzes da vila de Mogi, com Maria Portes del Rei, filha do Capitão João Portes del Rei e de sua mulher Juliana Antunes Cardosa, todos já defuntos.

4. Declaro que tivemos quatro filhos de legítimo matrimônio, um faleceu logo depois de seu nascimento e três estão vivos, a saber: Marta de Miranda del Rei, casada com Amador Bueno, Bartolomeu da Cunha e Juliana Antunes, os quais são meus legítimos herdeiros.

5. Declaro que tenho nesta vila umas casas de sobrado em que moro; (…) um sítio, casas em que vivo e uma olaria; (…) trinta e cinco cabeças de gado cavalar, mais cinco cavalgaduras, cada qual de seu preço (…). Seiscentas e cinquenta braças de terra em que tenho o dito sítio, tirando as que tenho dado em dote a meu genro (…), das quais não lhe tenho ainda passado a escritura.

6. Declaro que tenho seis almas escravas, tapanhunos e mulatos.

7. Declaro que possuo cento e cinquenta peças do gentio da terra com suas famílias, de que não sei certamente o número, para o que me reporto ao que disser minha mulher.

8. Declaro que tenho uma bastarda em minha casa, solteira, por nome Maria, a quem deixo por esmola que se lhe dê, quando casar, sua mãe, Ana Maria, com seu marido, Joaquim, e dois filhos.

9. Declaro que tenho uma negra de nome Lucrécia, a qual deixo, com seus filhos, em companhia de meu filho Bartolomeu da Cunha. A dita negra deixo forra e os filhos obrigados a que sirvam meu filho.

10. Declaro que tenho mais três bastardos em minha casa (…) os quais deixo forros. E peço a minha mulher que lhes dê o tratamento e os ampare como filhos.

11. Declaro que tenho um negro de nome Batista, o qual deixo que sirva a minha mulher enquanto viver e lhe peço que, por sua morte, o deixe forro.

12. Declaro que tenho dois negros oficiais de ferreiro, a saber: um do gentio da terra (…), e outro tapanhuno, (…), os quais deixo que sirvam a minha mulher.

13. Declaro que, pagos os meus legados, os remanescentes de minha terça, tudo deixo a minha mulher.

14. Declaro que tenho satisfeito a meu genro Amador Bueno o dote que lhe prometi, tirando umas casas de parede de mão e de telha que lhe prometi nas terras que lhe dei.

15. Declaro que, por meu genro (…) se afeiçoar a um negro por nome Zacarias, lho dei com sua mulher e uma filha moça, com mais um negro por nome Francisco, em recompensação de umas casas terreiras que lhe prometi nesta vila.

16. Declaro que devo a juro a Bento Gil cem patacas, ou aquilo que na verdade se achar.

17. Declaro que devo mais a meu cunhado Jorge Velho cinquenta mil réis, ou o que na verdade se achar, de dinheiro a juro. (…).

38. Declaro que, entre meus irmãos, temos, da outra banda do rio, meia légua de terras, das quais não temos feito partilhas do que me couber, a minha parte da dita meia légua deixo a uma afilhada minha, filha do Capitão Tomé Portes del Rei.

39. Declaro que, se depois da minha morte aparecerem devedores à minha fazenda, mando paguem meus herdeiros, mostrando-lhes clareza e certeza em como se deve, e sendo causa e a todo tempo me lembre, fora do que aqui tenho dito, farei um codicilo ao qual se será inteiro e verdadeiro cumprimento. Eu acosto a meu testamento, ao qual mando também se dê cumprimento verdadeiro.

40. Declaro que, para cumprir meus legados, de causas pias aqui declarados e dar expediente ao mais que neste meu testamento ordeno, torno a pedir a minha mulher e a meu cunhado (…) queiram aceitar serem meus testamenteiros (…) aos quais e a cada um, (…), dou todo o poder que em direito posso e for necessário para de meus bens tomarem e venderem o que necessário for para o meu inteiramente e cumprimento de meus legados e paga de minhas dívidas.
E porquanto essa é minha última vontade (…) me assino aqui em minha fazenda, termo desta vila de São Francisco de Taubaté, aos dezessete dias do mês de janeiro, era de mil seiscentos e oitenta e cinco anos.”

Glossário

Tapanhuno: variação de tapanhaúna, nome dado aos negros africanos residentes no país.
Codicilo: Segundo as Ordenações Filipinas: “Codicilo é uma disposição de última vontade sem instituição de herdeiro. E por isso se chama codicilo, ou cédula, por diminuição, que quer dizer pequeno testamento, quando uma pessoa dispõe de alguma coisa, que se faça depois de sua morte sem tratar nele de diretamente instituir ou deserdar a algum, como se faz nos testamentos.” Cf. Ordenações Filipinas, Livro VI, Titulo LXXXVI. “Dos Codicillos”. Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l4p921.htm

AULETE, Caldas. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa [Portugal]: Parceria Antonio Maria Pereira, 1925, Disponível em: http://www.auletedigital.com.br/

Sobre este documento

Título
Testamento de Bartolomeu da Cunha Gago
Tipo de documento
Documento Legal
Palavras-chave
Minas Gerais Território
Origem

Heitor Megale; Sílvio de Almeida Toledo Neto (orgs). Por minha letra e sinal: documentos do ouro do século XVII. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2005. pp. 69-73).

Créditos

Bartolomeu da Cunha Gago