“Numa de suas últimas cartas à família, Alonzo escrevera:
‘Se pensais que vivo no meio de bárbaros, estais completamente enganados. Nos Sete Povos começa a nascer uma das mais belas civilizações de que o mundo tem notícia. Enquanto vos escrevo, vejo através da janela a nossa bela catedral, toda de arenito vermelho, com seu tímpano grandioso, o seu átrio com uma longa fileira de colunas, e a sua resplandecente cruz de ouro. Seu estilo lembra o de certas igrejas do fim do Renascimento italiano (o que não é de admirar, pois foi ela construída por um milanês).
Os índios das reduções vivem hoje mais cristãmente que muitos brancos de Pamplona, Madri ou Lisboa. Estão já redimidos do feio pecado da promiscuidade, pois todos se casam de acordo com as leis da Igreja e guardam o sexto mandamento; temem a Deus, são batizados e fazem batizar os filhos; no leito de morte nunca deixam de receber o Viático; e quando morrem são encomendados e finalmente enterrados em campo-santo. Pois muitos desses chamados selvagens sabem, além da língua nativa, o latim e o espanhol, e são hábeis escultores, pintores, oleiros, ourives, tecelões, fundidores de bronze, e músicos. Um destes dias, escutando um sexteto de índios que tocava com sentimento e correção peças dum compositor bolonhês, fiquei de tal maneira comovido que não pude reprimir as lágrimas’.”
Glossário
Viático: comunhão ministrada em casa aos doentes impossibilitados de se deslocar, ou aos moribundos.
AULETE, Caldas. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa [Portugal]: Parceria Antonio Maria Pereira, 1925, Disponível em: http://www.auletedigital.com.br/
Sobre este documento
Érico Veríssimo. O tempo e o Vento. Volume I: O Continente. Capítulo A Fonte. São Paulo: Companhia das Letras, 2004 [1949].
Érico Veríssimo