Tupis, tapuias e historiadores. Estudos de história indígena e do indigenismo.
Texto Acadêmico

Deixamos aqui nossa homenagem ao saudoso colega historiador John Manuel Monteiro (1956-2013)

“(…) Aspecto fundamental na formação de alianças na determinação das políticas coloniais – mesmo em áreas ‘centrais’ como no México ou no Peru, diga-se de passagem – a tendência de definir grupos étnicos em categorias fixas serviu não apenas como instrumento de dominação, como também de parâmetro para a sobrevivência étnica de grupos indígenas, balizando uma variedade de estratégias geralmente enfeixadas num dos polos do inadequado binômio acomodação/resistência. Isso vem obrigando os estudiosos a tratar o cipoal de etnônimos com mais cautela e rigor, sobretudo no que diz respeito à relação entre as formas sociais pré-coloniais e as unidades sociais posteriores à instalação de populações europeias e africanas nas Américas.

Nesse sentido, há uma relação intrínseca entre a classificação étnico-social imposta pela ordem colonial e a formação de identidades étnicas. É importante lembrar, no entanto, que as identidades indígenas se pautavam não apenas em relação às origens pré-coloniais como também em relação a outras categorias – indígenas ou não – que gestaram no contexto colonial das Américas. Pode-se começar pelos próprios europeus tão unos e diversos: faz-se necessário sublinhar não apenas os jogos identitários que diferenciavam as potências europeias no Novo Mundo (…) como também as clivagens internas a cada unidade ‘nacional’. Na América Portuguesa, – não diferente da América Espanhola – pesavam as distinções definidas a partir das origens religiosas (com a presença importante de cristãos novos) da noção de pureza de sangue e da condição social. Do mesmo modo, outro fenômeno pouco estudado de um ponto de vista antropológico diz respeito às origens étnico-nacionais diversas entre os jesuítas que atuavam nas missões, objeto de uma acirrada controvérsia no século XVII e a condição subjacente às práticas de catequese distintas.

Finalmente, é preciso prestar mais atenção às novas categorias constituídas no bojo da sociedade colonial, sobretudo os marcadores étnicos genéricos, tais como ‘carijós’, ‘tapuios’ ou, no limite, ‘índios’. Se estes novos termos no mais das vezes refletiam as estratégias coloniais de controle e as políticas de assimilação que buscavam diluir a diversidade étnica, ao mesmo tempo se tornaram referências importantes para a própria população indígena. Assim os índios coloniais buscavam forjar novas identidades que não apenas se afastavam das origens pré-coloniais como também procuravam se diferenciar dos emergentes grupos sociais que eram frutos do mesmo processo colonial, o que se intensificou com a rápida expansão do tráfico transatlântico e o correspondente aumento de uma população africana e afrodescendente.

Com o crescimento destes outros setores populacionais, parece ter havido uma crescente estigmatização dos índios, separados de e opostos a outras categorias étnicas e fenotípicas, tais como brancos, mestiços, negros (…) Seria precipitado, no entanto, chegar a uma conclusão definitiva sobre este processo na América Portuguesa, mesmo porque ainda sabemos pouco sobre as relações tão ambíguas e complexas que existiam entre sociedades indígenas e quilombos, por exemplo, ou entre escravos índios e escravos africanos.”

Glossário

Cipoal: enredamento, emaranhado.
Etnônimo: Palavra que designa o nome de tribo, casta, etnia, nação etc., e, p.ext., nomes de comunidades (políticas, religiosas etc.) que possam ser consideradas num sentido étnico.

AULETE, Caldas. Diccionario contemporaneo da língua portugueza. Lisboa [Portugal]: Parceria Antonio Maria Pereira, 1925, Disponível em: http://www.auletedigital.com.br/

Sobre este documento

Título
Tupis, tapuias e historiadores. Estudos de história indígena e do indigenismo.
Tipo de documento
Texto Acadêmico
Palavras-chave
Século XX São Paulo Mundos do Trabalho
Origem

John Manuel Monteiro. Tupis, tapuias e historiadores. Estudos de história indígena e do indigenismo. Tese de Livre Docência, área de Etnologia, Unicamp, 2001.p. 57-59. Disponível em: http://cutter.unicamp.br/document/?code=000343676

Créditos

John Manuel Monteiro