O ÚLTIMO BRAGANÇA E O PRIMEIRO SILVA
O governo Éfe Agá acabou com a Era Vargas, na sua própria avaliação. Se a Era Vargas já foi tarde ou se jogaram fora uma ideia aproveitável de soberania junto com ela, é assunto para 17 textos maiores do que este. Mas se Lula vencer as próximas eleições, o governo Éfe Agá também pode passar à História como o fim – pelo menos até ela ser restaurada, numa eleição futura – de outra era, muito maior do que a Era Vargas, já que tem a idade do Brasil: a Era Bragança.
Desde que a nossa independência do reinado de Portugal foi declarada pelo filho do rei de Portugal, que depois se declarou imperador na nação rebelde, vivemos essa era inédita no mundo, em que tudo num país, inclusive as suas revoluções, é feito por uma classe só.
A Era Bragança atravessou quase dois séculos de História com tanta persistência que sobreviveu até ao fim da dinastia que lhe deu o nome. Todos os presidentes da República brasileira foram herdeiros políticos dos Bragança, protótipos da grande esperteza brasileira de simular uma História para não ter que fazê-la. E é poeticamente justo, ou pelo menos simétrico, que a fase republicana da Era Bragança acabe como acabou a fase monárquica: com um bom homem no poder, um filósofo moderno e um cidadão do mundo, um Pedro II sem, esperemos, o exílio.
Éfe Agá era o melhor que a nossa oligarquia esclarecida podia produzir, sem ironia. Seu fracasso significa o esgotamento entre nós do ideal ciceroniano da casta iluminada, capaz de fazer o necessário para a maioria em vez do conveniente para poucos.
Nem Vargas nem qualquer outro pseudo ou pretenso populista na Presidência escapou do molde da era, ou teve tempo para tentar escapar. Todos eram da linhagem, mesmo que não quisessem. Ou soubessem.
Uma improvável vitória do Lula não significará, claro, a tomada do poder pela ‘classe perigosa’, para finalmente se apossar da sua própria história.
Ele também dependerá de uma casta intelectual a seu lado e da boa vontade do patriciado, sem falar no Congresso e no ‘mercado’, para poder governar. Mas será o primeiro presidente da nossa história a não ter ‘Bragança’ implícito no nome. O primeiro Silva autêntico. Não é nada, não é nada, já é um pé na porta.”
Ciceroniano: que remete ao político e pensador romano Cícero [106 a.C – 43 a.C]
AULETE, Caldas. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa [Portugal]: Parceria Antonio Maria Pereira, 1925, Disponível em: http://www.auletedigital.com.br/
Sobre este documento
Luis Fernando Veríssimo, 30 janeiro 2002, jornal O Estado de S. Paulo.
Luis Fernando Veríssimo.