“(…) o açoriano não fracassou. Muito ao contrário, constituiu-se e definiu-se como elemento de elevada significação na estrutura social catarinense. (…) Em 1739, chega a Santa Catarina o Brigadeiro José da Silva Paes, homem de larga visão e de iniciativas audaciosas que logo compreende a necessidade da conservação e do aparelhamento da Ilha de Santa Catarina e da terra firme do seu contorno, até o Rio Grande, para base imediata da conquista sulina. (…)
Haviam, ao tempo, representado os habitantes das Ilhas dos Açores a El Rei, pedindo que tirasse delas os casais que quisesse enviar para o Brasil. (…) Não era outro o desejo dos açoritas senão o de fugir à miséria das suas ilhas superlotadas – e por isso atendeu-os El Rei, mandando que se transportasse para o Brasil quantos o desejassem, afixando-se nas Ilhas editais para a inscrição dos que pretendessem delas emigrar, concedendo-lhes facilidades: – transporte, ajuda de custo variável, conforme a condição civil e o sexo, terras cultiváveis, ferramentas usuais, sementes, “duas vacas e uma égoa” e farinha por todo o primeiro ano, isenção de tributos e, aos homens, do serviço das armas. (…)
Em 1748, recebia Silva Paes os primeiros imigrantes, aprovando posteriormente o Conselho Ultramarino as despesas que os mesmos deram aos cofres reais, de medicamentos e provisões (…) e aqueles porque dispôs o Rei que se curassem até o terceiro ano de sua estadia, por sua conta, visto serem pobres. Ao primeiro transporte seguiram outros três, em 1749, 1750 e 1752, num total de 4.024 pessoas- tendo parte destas buscado igualmente o Rio Grande, em número que não logramos apurar.
Foi esta a onda migratória que recebia Santa Catarina para núcleo básico de seu povoamento, gente pobre, que saía da indigência das suas ilhas para a exuberância das terras litorâneas do Brasil, favorecida por algumas migalhas da munificência real. A essa gente se mandou distribuir terras, para que lavrasse e delas obtivesse o sustento e a economia. E foi esse o erro…(…)
Não teve, assim, a terra catarinense, o elemento principal do trabalho rural. Os colonos eram pobres, indigentes, mesmo, aos quais foi preciso alimentar e curar e cujos bens não excediam, certamente, àqueles que o Governo lhes doou, quando emigraram de suas Ilhas. Não poderiam comprar os braços negros para rasgar as terras virgens. (…)
Pequeno foi o número (…) dos que se ligaram à terra. (…) São os remanescentes destes, que ainda subsistem, isolados, em pequenas povoações, à beira das praias, ligados à pobreza. (…) Porque o elemento vitorioso, que conseguiu reerguer-se, foi justamente o que se libertou da terra, o que se desligou da agricultura e foi cuidar doutra vida.
Ressurgimento
No comércio marítimo, na exportação dos produtos da terra e na exploração da própria classe que ficara recuada, fazem-se as primeiras economias, surgem os primeiros remediados, os primeiros abastados, os primeiros capitalistas que assobradam Desterro para morar com conforto, que mandam buscar mobílias na Corte (…). Surgem as olarias; melhora o comércio; o abastecimento d´agua, a limpeza pública, a desobstrução dos córregos, a iluminação tornam-se problemas urbanos aos quais é mister fazer face. (…) Assim melhorados (…) chegam às vésperas da Independência. (…)
[Informam-nos] os viajantes estrangeiros há por esse tempo manufaturas de linho e algodão, fábricas de licores e cerâmica. A pesca da baleia (…) era também vantajoso ramo da indústria. Abundam os artífices: alfaiates, sapateiros, ferreiros, marceneiros. As mulheres (…) fazem renda. (…) Eram certamente sinais animadores de uma ressurreição. (…) Diverso foi o destino do açoriano liberto da terra. (…)
O açoriano, pela sua descendência, venceu o meio. Venceu-o, elevou-o e amou. E, sinal de sua capacidade, impôs-lhe as tendências lusitanas do seu sangue e da sua alma – as mesmas que perduraram como marco de sua vitória”.
Glossário
Munificência: generosidade, liberalidade, magnanimidade
AULETE, Caldas. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa [Portugal]: Parceria Antonio Maria Pereira, 1925, Disponível em: http://www.auletedigital.com.br/
Sobre este documento
Osvaldo Rodrigues Cabral. A vitória da colonização açoriana em Santa Catarina. In: Cultura Política: revista mensal de estudos brasileiros, Rio de Janeiro, ano 1, n. 7, setembro de 1941. p. 23-34.
Osvaldo Rodrigues Cabral.