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Hamilton dos Santos, brasileiro, casado, 53 anos, pai de família: profissão Cidadão
Texto literário
(…)

VIII

Com a chegada do operador Hamilton dos Santos e da retroescavadeira ao local, os oficiais de justiça se puseram finalmente a ler para todos os presentes – e em especial para aquelas duas famílias desalojadas – a ordem judicial que mantinham em suas mãos.

Foi então que – após oito ou nove horas de muita luta, tensão, discussão, bate-bocas e corre-corres dos oficiais de justiça e telefonemas dos advogados de ambas as partes na tentativa de reverter ou de fazer cumprir de uma vez por todas a ordem judicial – os oficiais de justiça se dirigiram ao tratorista Hamilton e solicitaram a ele que subisse na retroescavadeira e desse início ao trabalho a que fora contratado.

(…) Hamilton dos Santos levou mecanicamente uma das mãos até a ignição da máquina. Iria iniciar a demolição pela casa de número 123.

Suas mãos, no entanto, tremiam bastante e não se apresentaram o suficientemente firmes para dar a partida no veículo. Elas pareciam ter criado vida própria e se recusavam a prosseguir no seu intento.

Todo o corpo do senhor Hamilton tremia e a cada momento ele empalidecia mais e mais. Sob os olhares determinados dos dois oficiais de Justiça e a pressão exercida pela presença dos soldados da Polícia Militar, o tratorista Hamilton dos Santos não conseguiu engatar a primeira marcha e nem colocar o veículo em movimento.

(…)

IX

(…)

Aconteceu então o que ninguém esperava. Aquele homem simples, aquele tratorista pobre que viera de longe para efetivar o serviço determinado pela Justiça, começara a chorar.

Empalidecido, trêmulo e transtornado, o operador de máquinas apenas silencia e chora. Procura secar as lágrimas no pano surrado da sua camiseta de trabalhador brasileiro. Em certos momentos mexia nervosamente no boné azul que protegia a sua cabeça abatida.

– Eu não posso fazer isso – tentou se explicar novamente – não é direito. Isso não é direito!

Em seguida desligou o veículo e desceu vagarosamente.

– Não posso fazer isso – repetira uma terceira vez assim que firmara os pés no solo firme – sou um pai de família, tenho nove filhos. Isso poderia estar acontecendo comigo e eu não acho certo. Não é direito! Não é direito e não é certo! Eu cumpro a lei, mas não consigo fazer esse trabalho! Está além das minhas forças e das minhas possibilidades. Não posso derrubar a casa de um pai de família e de um trabalhador como eu.

Nesse momento, entretanto, o tratorista se viu diretamente ameaçado por um dos oficiais de justiça:

– Se o senhor não demolir a casa, vou mandar lhe prender – afirmara o oficial Carlos Cerqueira.

X

(…)

O Major Castro se dirigiu ao tratorista e, com uma das mãos apoiando o seu ombro esquerdo, disse a ele:

– Você está agora cumprindo uma determinação judicial. Se o senhor se recusar a cumprir e se o oficial de Justiça lhe der voz de prisão, eu vou ter que acatar. Eu sinto muito, seu Hamilton! Endureça o seu coração e cumpra a ordem judicial! O senhor vai ajudar a gente e vai ajudar ao senhor mesmo e a sua família!

Diante daquelas palavras o tratorista conseguira apenas abanar tristemente a cabeça de um lado para o outro. O oficial de justiça então se aproximou do operador de máquinas e anunciou para ele e para quem mais quisesse ouvir:

– Este homem se nega a executar o serviço. Em consequência, está obstruindo a ação da Justiça e, em face disso, determino que seja imediatamente preso em flagrante delito!

XI

Ameaçado de prisão, seu Hamilton subiu uma segunda vez na carroceria da retroescavadeira. Suas pernas estavam bambas e por um momento ele teve receio de cair dali e se machucar.

Hamilton tenta novamente ligar a máquina, mas não consegue. Volta a chorar e a secar as lágrimas em sua roupa de trabalhador.

Passando mal, o tratorista torna a descer da retroescavadeira. Para isso, entretanto, acabou necessitando da ajuda de alguns policiais.

– Tenho pressão alta e problemas no coração, disse ele com a voz baixa e entristecida.

E se calou (…)

(…) Decerto que ele sabia perfeitamente o custo de cada um dos tijolos e dos sacos de cimento utilizados na construção daquelas casas. Ele conhecia também o valor do esforço e de cada gota de suor derramada sobre a argamassa naquelas obras. Era certo igualmente que não duvidava de que amanhã poderia ser ele o próprio despejado e sua a casa a ser demolida por outro tratorista.

E por isso não o fez (…)

Naquele momento ele só não admitiria ser dele a mão que poria abaixo as casas daquelas duas famílias desesperadas. Se assim o fizesse – sabia ele perfeitamente disso – se assim o fizesse não conseguiria dormir em paz na noite seguinte e em nenhuma das outras noites que a sucederiam.

Sobre este documento

Título
Hamilton dos Santos, brasileiro, casado, 53 anos, pai de família: profissão Cidadão
Tipo de documento
Texto literário
Palavras-chave
Século XX Profissões Historia do Ensino Opinião Pública
Origem

Luís Antônio Matias Soares, 13/12/2010, extraído de textolivre.com.br

Créditos

Luís Antônio Matias Soares