“Quando cerca de 400 operários e operárias da seção têxtil do Cotonifício Crespi entraram em greve depois que a diretoria da fábrica tinha se recusado a conceder um aumento entre 15% e 20% do salário e a abolir a extensão da carga horária noturna, não pensavam, talvez, que estariam desencadeando o período de maior conflito da história do movimento operário em São Paulo até aquele momento.
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Boa parte da historiografia do movimento operário brasileiro concordou sobre o fato de que a greve geral paulistana de 1917 representou um ponto de divisão entre um período de desorganização das associações sindicais e outro no qual tais associações amadureceram (…)
O debate (…) ficou sempre em torno da verificação do grau de espontaneidade da greve de 1917, tentando com isso compreender também que relações foram estabelecidas entre uma massa de grevistas que chegou a cerca de 50.000 pessoas (numa cidade que contava com 400.000 habitantes) e os militantes que depois participaram como lideranças do movimento e que posteriormente sofreram processos de expulsão e as mais variadas formas de repressão.
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De forma geral, o ano de 1917 foi caracterizado mundialmente por toda uma série de protestos, motins e greves sem precedentes, cujo evento maior foi (…) a revolução russa (…). Todos estes movimentos, que desembocaram em revoltas urbanas, estavam diretamente ligados a uma conjuntura econômica causada pelo prolongamento da I Guerra Mundial. Inflação, perda do poder de compra, miséria acentuada pela escassez de abastecimentos, foram aspectos experimentados não somente pelas classes trabalhadoras que deram vida aos sovietes de Petrogrado, nem (…)apenas pela população operária paulistana, mas caracterizaram o ano de 1917 em muitos países direta ou indiretamente envolvidos na guerra.
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Talvez seja oportuna uma comparação com um movimento grevista que tem muitas semelhanças com o de São Paulo, e que aconteceu um mês depois, em agosto de 1917, na cidade italiana de Turim. Também nesta cidade (…) as greves e protestos de agosto de 1917 tiveram (…) grande mobilização das mulheres ou famílias operárias, greves por melhores condições de trabalho e aumento salarial, assaltos a moinhos e padarias, embate violento com a polícia e depois com o Exército.
As semelhanças entre as dinâmicas das revoltas de São Paulo, Turim e Petrogrado são muitas e fundamentais. Também em São Paulo, a greve iniciou-se num grande estabelecimento fabril e a resposta empresarial foi fechar a fábrica. Rapidamente, ocorreu a transformação desta greve localizada em greve geral; pedidos de aumento salarial e diminuição de horas foram associados a pedidos mais urgentes de controle dos preços e distribuição igualitária dos bens alimentares; e, finalmente, a greve progressivamente assumiu feições de revolta generalizada com a invasão das áreas centrais da cidade, num período de “confinamento” dos trabalhadores nos bairros operários.”
Sobre este documento
Luigi Biondi. “A greve geral de 1917 em São Paulo e a imigração italiana: novas perpectivas”. Cadernos AEL, v. 15. N.27, 2009, pgs. 263-270
Luigi Biondi