“A literatura espírita, produzida fartamente no Brasil, é um fenômeno de importância não apenas religiosa: faz parte da vida cultural e editorial brasileira. Como referência de sua produção e circulação, tome-se o caso do maior médium psicógrafo de obras espíritas do mundo, Chico Xavier. Ele tem mais de 400 livros publicados, alguns deles traduzidos para dezenas de línguas; sua obra mais vendida, Nosso lar, já ultrapassou a tiragem de 1 milhão de exemplares.
O Brasil possui o título de maior celeiro mundial na produção de literatura espírita, a qual abrange diversos gêneros e assuntos: são romances, contos, crônicas, poemas, mensagens, obras de referência, literatura infantil, que abordam temas ligados à arte, ciência, educação, filosofia, história, religião etc. Os livros são escritos por estudiosos do espiritismo ou por médiuns, que atribuem as obras aos chamados autores espirituais. (…)
A produção mediúnica de Chico Xavier (…) causou alarde no meio literário brasileiro nos anos 30 e 40. O principal acontecimento que gerou discussão acerca de seus textos psicografados, além do lançamento de Parnaso de além-túmulo, foi o caso Humberto de Campos. Entre os anos de 1937 e 1943, a Federação Espírita Brasileira (FEB) publicou cinco livros psicografados por Chico Xavier e atribuídos ao espírito Humberto de Campos. (…) Em 1944, a viúva do escritor maranhense, Catarina Vergolino de Campos, entrou com uma ação judicial contra o médium e a FEB. A peculiaridade da ação, provavelmente a única do gênero no mundo, colocou à tona o assunto e provocou uma acirrada discussão no meio intelectual a respeito da psicografia de Chico Xavier. Embora a contragosto, a Academia Brasileira de Letras, à qual pertencia Humberto de Campos, transformou-se num dos palcos do debate.
Terminado o processo, cujo veredicto indeferiu o pedido da viúva (os direitos de uma pessoa findam com sua morte), o tema quase deixou de ser discutido, provavelmente por causa do incômodo suscitado pela literatura mediúnica, que carrega consigo um forte estigma religioso, apesar de suas pretensões estéticas, em alguns casos. Foi o componente literário, por exemplo, que possibilitou o referido caso jurídico. Contudo, percebe-se que essa intersecção entre religião e literatura gera, de antemão, receios e dificuldades quanto aos limites entre os dois domínios.
Sobre este documento
Alexandre Caroli Rocha. A poesia transcendente de Parnaso de além-túmulo. Unicamp, Dissertação de Mestrado, IEL, Campinas, 2001. p. 13-15. Disponível em: http://cutter.unicamp.br/document/?code=vtls000236698
Alexandre Caroli Rocha