Deixamos aqui nossa homenagem à saudosa colega historiadora Vera Regina Beltrão Marques (1953-2013)
“Nas correspondências avulsas encetadas entre metrópole e colônia enfatizava-se com frequência a falta de médicos, remédios, hospitais e o grande número de epidemias que grassavam. É possível entretanto identificar nos meandros desses documentos e naqueles não oficiais a presença de outros atores(…)
Reclamava-se da falta de médicos, mas convém colocar as seguintes questões: que setores populacionais ressentiam-se da escassez destes profissionais? A quem recorriam os indígenas, escravos e seus descendentes quando adoeciam? Buscavam eles o atendimento médico ou seriam os mandantes portugueses os que mais demandavam a arte de curar dita erudita? (…)
Proponho então outro ponto de partida: o florescimento das demais artes de cura esteve intrinsecamente ligado às diferentes raízes culturais das populações aqui residentes (…) Não era a falta de médicos formados que possibilitava a atuação de curadores considerados ilegítimos. As tradições culturais refletidas nas artes de curar dos negros e indígenas abria espaço para que se disseminassem seus próprios curadores e suas terapêuticas. Considerar a medicina lusitana oficial como o saber legítimo e todo poderoso seria desautorizar outros conhecimentos (…) Poder-se-ia, ainda, assinalar que tal procedimento historiográfico contribuiria para manter relegados e esquecidos saberes que são constituintes de áreas do conhecimento médico.”
Sobre este documento
Vera Regina Beltrão Marques. Do espetáculo da natureza à natureza do espetáculo – boticários no Brasil setecentista. Tese de doutorado, Unicamp, 1998. Pgs 2-3
Vera Regina Beltrão Marques