Um dos objetivos da aula será questionar por que, por tanto tempo, não estudamos a história da África e seus habitantes. Para isso, será necessária uma crítica dos pressupostos da própria ciência histórica, asim como a abordagem de suas mudanças ao longo do tempo. Ainda nesse contexto, outro objetivo da aula é permitir que os alunos entrem em contato com conceitos como fonte histórica, cruzamento de fontes e crítica documental, centrais para o conhecimento histórico. Especificamente em relação à História da África, o objetivo é questionar a abundância de representações estrangeiras sobre a África e como isso apagou representações dos próprios africanos. Trata-se, portanto, de valorizar a história da África em suas especificidades, assim como visões africanas sobre história. Um último objetivo é refletir sobre as relações entre cultura, tradição e mudança, mostrando como as tradições são dinâmicas, em constante diálogo com outros povos, e como adquirem novos significados ao longo do tempo.
Aula direcionada para alunos do primeiro ano do Ensino Médio, que já tenham alguns conhecimentos sobre história e seus conteúdos. Esse plano de aula pressupõe que os alunos tenham tido uma discussão prévia sobre teorias raciais, pois esse tema não será amplamente abordado nessa aula.Será necessário o uso do datashow, da lousa e de material fotocopiado.
Os alunos serão avaliados por suas intervenções ao longo da aula e por sua participação no debate do vídeo, assim como um trabalho escrito proposto como lição de casa. A ideia é averigar em que medida eles se envolveram com as discussões propostas, se questionaram sobre seus próprios preconceitos e se familiarizaram com os conceitos de documento e crítica documental.
Nesse primeiro momento, pretendo falar sobre a história e suas fontes, associando essa questão à falta de estudo sobre história da África até meados do século XX. Além de falar sobre História da África, acho importante fazer referências a conteúdos previamente estudados pelos alunos, como os povos bárbaros e sua relação com o Império Romano. Ao longo da exposição, utilizarei um mapa da África (em anexo) para que os alunos se localizem. A exposição serguirá o roteiro abaixo:
Grande parte das pesquisas sobre a origem da espécie humana compartilha a visão de que os primeiros homens surgiram no continente africano. Porém, até a década de 1960, a história dos povos que viveram na África era praticamente desconhecida dos historiadores europeus e americanos. Até a metade do século XX, o mundo ocidental só tinha conhecimento de regiões africanas próximas da Europa, como o Egito Antigo e regiões banhadas pelo mar Mediterrâneo. Para as regiões africanas onde houve a expansão do islamismo, também existia maior quantidade de estudos, porque nessas regiões de influência islâmica produziu número significativo de registros escritos e é importante lembrar que, por muito tempo, os historiadores utilizavam apenas os registros escritos como fontes históricas, desconsiderando os vestígios materiais e a tradição oral. Por isso, aliás, que por tanto tanto prevaleceu a visão dos povos bárbaros como povos selvagens, atrasados ou sem civlização, já que os registros escritos sobre esses povos foram feitos pelos romanos. Mais recentemente, quando historiadores passaram a usar vestígios materiais como fonte históricas, eles puderam questionar essa visão sobre os bárbaros e encontrar indícios importantes de sua cultura, como o desenvolvimento da metalurgia. A centralidade dos registros escritos para o trabalho dos historiadores até a metade do século XX também ajuda a entender a formulação do conceito de “pré-história”, referente a um período anterior à invenção da escrita. Atualmente, esse conceito é considerado incorreto, porque a ação dos seres humanos é sempre histórica, independente do uso da escrita. Porém, por muito tempo, os historiadores acreditaram que a ausência de registros escritos impossibilitaria o estudo da história da África.
Em um segundo momento, abordarei como, ao longo do tempo, foram construídas representações preconceituosas sobre a África. Essas representações, que têm uma força enorme até a atualidade, enfatizaram a cor da pele como caráter central e homogeneizador dos povos africanos, apagando a possibilidade de entender as diversidades ou escutar as vozes africanas. Ao longo da exposição, utilizarei uma arquivo (em anexo) com diferentes mapas da África. A exposição seguirá o roteiro abaixo:
Até meados do século XX, ao invés de estudos sobre a história da África e seus habitantes, o que permitiria conhecer a enorme diversidade desse continente, predominavam representações sobre esse lugar. É possível dizer que nós somos herdeiros de uma tradição de olhares estrangeiros sobre a África que reforçam preconceitos generalistas sobre esse continente, no lugar de instigar o conhecimento das diferenças existentes entre os povos que aí viveram. A ênfase na cor da pele negra como elemento comum a diferentes povos africanos criou uma falsa unidade a esses sujeitos históricos que, ao longo do tempo, desenvolveram formas diversas de organização social e política, assim como diversos elementos culturais. Como afirmou Anderson Ribeiro Oliva, “desde a Antiguidade, os escritos de viajantes, (...) fazem referência à África de forma a demarcar as diferenças e a representar, a partir de filtros estrangeiros, o Continente e suas gentes” (p.433), sendo que um dos elementos que mais chamaram a atenção das leituras européias foi, justamente, a cor da pele dos africanos. Etiópia era o nome usado para designar a área do continente africano conhecida pelos antigos e vem do termo grego Aethiops, que signifca terra dos homens de pele negra. Como destacaram José Alves de Freitas Neto e Célio Ricarto Tasinafo, durante a expansão marítima européia, nos séculos XV e XVI, a África ao sul do Saara foi representada “como um ‘todo’, formado por povos ‘primitivos’, ‘exóticos’” (p.127). E essa imagem tem uma força enorme até a atualidade pois, como destacaram Fausto Henrique Gomes Nogueira e Marcos Alexandre Capellari, “não raro nos referimos aos ‘africanos’ para designar pessoas de pele negra, como se formassem um único povo, possuidor de uma cultura única”, o que constitui uma visão muito equivocada pois “os povos africanos da região subsaariana são bastante heterogêneos entre si e ostenta uma variedade social, cultural e linguística formidável” (p.71, Manual do Professor). No século XIX, o conceito de raça se tornou um critério central para a diferenciação e hierarquização da humanidade. A partir desse momento, visões racistas sobre a África ganharam espaço, mostrando pessoas de pele negra como representantes de uma raça supostamente inferior e, por isso, menos desenvolvida. Essa visão justificava a intervenção dos europeus no continente, sendo fundamental para legitimar a política imperialista. Atualmente, inúmeros estudos mostram que o conceito de raça não tem fundamentação alguma e que as diferenças de fenótipo não têm implicações para o desenvolvimento social e humano de diferentes povos do mundo. Ainda assim, essa visão dos africanos como povos menos desenvolvidos e da África como um espaço dominado pela pobreza e pela miséria tem muita ressonância atualmente. Se pesquisarmos a palavra “África” em sites de busca, veremos inúmeros sites sobre ações humanitárias (ênfase na África como continente miserável e incapaz de administrar seus próprios problemas) ou sobre turismo (ênfase na África como continente com uma natureza rica e intocada), ambos com visões homogenizadoras sobre a África.
Nesse terceiro momento, haverá a exibição do vídeo, para que os alunos tenham contato com o relato do griô Toumani Diabaté e sua relação com a tradição africana. A proposta é mostrar uma visão africana sobre a África e sua cultura. No vídeo, Toumani Diabaté fala sobre sua vida e seu trabalho, destacando o intercâmbio com outros artistas contemporâneos, assim como apresentando seu novo disco. Além do relato do griô e de trechos de sua apresentação para platéias repletas, o vídeo também mostra como o instrumento kora é confeccionado.
A partir do vídeo, serão elaboradas algumas perguntas para incitar o debate entre os alunos:
1. O que significa ser um griô? Pelo o relato e pela perfomance de Toumani Diabaté, o que envolve a atuação de um griô?
Após a manifestações dos alunos, falar sobre os griôs e seu papel como contadores de história, guardiões da memória, sobretudo no Mali, assim como o papel da música nesse processo. Enfatizar as diferenças entre essa forma de conceber a história e concepções ocidentais sobre história.
2. Ao relatar como aprendeu a tocar kora, quais as influências que Toumani destaca?
Após as contribuições dos alunos, mostrar que foi influenciado não apenas por sua família ou por uma tradição que segue incólume desde o século XIII, mas que teve inúmeras influências contemporâneas.
3. Como Toumani pensa a inserção da kora na atualidade? O instrumento deve ser preservado de influências externas?
Toumani vê como positiva essa intersecção da kora com outros instrumentos e musicalidades estrangeiras, considera que isso é que dá vida ao instrumento, mostrando como a cultura é dinâmica e como tradição e modernidade se entrecruzam.
4. No vídeo, também vemos como o instrumento é confeccionado. Apesar da kora ser usada por músicos de diferentes países, ela ainda é feita de forma bastante artesanal. O que isso nos diz sobre as relações entre passado e presente?
Enfatizar a valorização da cultura e dos saberes africanos e questionar visão evolucionista sobre a história.
5. Qual língua Toumani fala? Qual seu país de origem? Como ele se veste? Qual sua relação com a história?
Falar das diferentes influências sobre Mali: influência islâmica (roupas) e francesa (língua). Falar do seu respeito pela tradição acompanhado pelo anseio de transformação constante.
A proposta de atividade para casa é uma reflexão sobre os limites dos relatos dos griôs para o estudo da história da África, assim como a importância do uso de elementos de crítica documental para a análise de qualquer tipo de documento histórico (escrito, oral ou material). Afinal, mesmo que sejam importantes como uma importante visão africana sobre a história da África, os relatos de griôs apresentam caracterísiticas que devem ser levadas em conta em sua análise. O objetivo da última questão, em especial, é remeter tanto à crítica documental quanto ao cruzamento de fontes.