Depois de ter trabalhado, com os alunos do segundo ano do Ensino Médio (faixa etária entre 15 e 17 anos), a transição da Idade Média para a Idade Moderna e o Renascimento Cultural, em meio às aulas sobre a colonização lusitana no Brasil, vale a pena reservar algumas aulas para valorizar a cultura indígena.
Para começar, considero importante partir de uma base que é mais comum para os estudantes. Sendo assim, a aula deve começar com uma análise simples de alguma imagem produzida durante o Renascimento Cultural para falar sobre perspectiva. Acredito que o afresco A Entrega das Chaves a São Pedro, de Pietro Perugino, pode ser um ótimo exemplo. Depois que os alunos perceberem como, para eles, a noção de perspectiva em uma pintura parece natural, o professor pode apresentar outros exemplos históricos em que a perspectiva não era aplicada, como em imagens medievais. Com isso, pretende-se causar o estranhamento necessário para que os estudantes notem que sua forma de ver o mundo não é a única.
Lançado esse ponto, o caminho deve se tornar mais aberto para a parte seguinte: música. A ideia é começar com a música ocidental, principalmente cantada, ao vivo, pelos próprios estudantes. O professor, em seguida, pode apresentar o relato de Anthony Seeger: “Sempre que eu cantava, os Suyá denominavam o que eu fazia de ngere. Mas ngere significava tanto uma canção (melodia) como os movimentos que a acompanhavam. Posição e dança são assim uma parte integrante da música, sendo todos parte de um único ato comunicativo chamado ngere.” (p. 85).
Como bem ressaltou José d’Assunção Barros “Uma cultura acostumada a registrar a realidade sonora em pautas musicais, que excluem as referências gestuais, espaciais, ambientais e mesmo interpretativas – como é o caso da prática musical erudita nas sociedades ocidentais –, pode estar deixando de fora, ao se empenhar em transferir para uma pauta musical a realidade musical a ser apreendida, componentes fundamentais da música produzida por uma sociedade musicalmente distinta da sua.” (p. 12-13).
Todo esse trabalho introdutório vai permitir que os estudantes possam apreciar produções indígenas com olhos menos preconceituosos do que os colonizadores europeus e seus descendentes.
- Conhecimento, por parte dos alunos, sobre da Idade Média francesa, o Renascimento Cultural, a Expansão Marítima e o início da colonização portuguesa no Brasil.
- Pinturas medievais e renascentistas que permitam uma boa reflexão sobre a noção de perspectiva;
- Computador;
- Datashow;
- Aparelho de som;
- Instrumentos musicais.
O trabalho realizado com os alunos no restante da aula permitirá que os estudantes possam apreciar algumas produções indígenas de uma maneira que, talvez, não pudessem fazer antes. Serão apresentadas músicas indígenas, instrumentos musicais, partituras musicais (inclusive aquelas “consertadas” por músicos eurocêntricos) e afins.
Feito isso, será dada a abertura para uma conversa com os alunos, para que eles possam apresentar suas opiniões sobre as produções indígenas. O professor terá a sua disposição algumas perguntas previamente preparadas com pontos que ele considera importantes de serem debatidos.
Como lição de casa, o professor pode solicitar que os estudantes ouçam a música “Pave Jajerojy”, cantada na aldeia Jaexaá Porã, e a compare com uma música contemporânea, escolhida por eles. A exposição pública de algumas dessas comparações na aula seguinte pode servir para que o professor retome o assunto e aprofunde um pouco mais o tema da produção artística indígena.
Retomada dos pontos históricos principais: transição da Idade Média para a Moderna, Renascimento Cultural, contato dos portugueses com os indígenas.
Análise do afresco renascentista A Entrega das Chaves a São Pedro, de Pietro Perugino, para trabalhar o conceito de perspectiva. Comparação com imagens medievais anônimas – que não apresentavam o conceito de perspectiva como no Renascimento.
Participação de alunos voluntários cantando alguma canção escolhida por eles.
Leitura de trechos do artigo de Anthony Seeger falando de seu contato com os Suyá na Amazônia. Exposição oral do professor sobre os costumes dos Suyá (ou Kisêdjê) aprofundando o assunto e deixando-o mais palatável para os estudantes.
Exposição oral do professor sobre a diferença entre diversos grupos indígenas e sobre a visão ocidental e seus preconceitos. Em meio à exposição oral, o professor pode aumentar o interesse dos alunos apresentando as músicas “Nhanderuvixa Tenondei” e “Nhaneramoi'i Karai Poty”, cantadas por crianças Mbya e Nhandeva, e pedir para os alunos identificarem os sons. Pode comparar a partitura do primeiro dos Três Poemas Indígenas, de Heitor Villa-Lobos, e a melodia “Teirú”, dos parecis, para enfatizar, as adaptações feitas pelos europeus e seus descendentes das músicas indígenas. O professor também pode mostrar duas mimbys apykas (a flauta sagrada kaiowá) e demonstrar como seu som parece imperfeito para os ouvidos de uma cultura descendente da dos colonizadores – ainda mais comparando-as com duas flautas doces clássicas. Além, é claro, de comparar o método de fabricação e o valor que se dá para cada flauta.
O professor, então, pode abrir para um debate e fazer com que os alunos expressem suas opiniões. Podem ser feitas perguntas como: Qual o ganho artístico e social de não enxergar a cultura indígena como inferior?; Como vocês se sentiriam se as produções artísticas de vocês precisassem ser adaptadas?; Como mudaria sua forma de interagir com uma música se, assim como os Suyá, vocês a encarassem como ngere?
Explicação sobre a lição de casa: comparação entre a música “Pave Jajerojy”, cantada na aldeia Jaexaá Porã, e uma música contemporânea (escolhida individualmente por cada aluno).