Este plano de aula direcionado a professores que trabalham com alunos do Segundo Ano do Ensino Médio tem como proposta superar uma história presente em certas práticas pedagógicas que se limitam a falar do índio como um agente histórico passivo e não sujeito de seu próprio destino. Assim, será desenvolvida uma aula, tentando-se superar os pressupostos de que os índios seriam povos sem história, ancestrais míticos da nação ou vitimas sem voz no processo de expansão europeia.
Tendo como base os estudos feitos pela chamada Nova História Indígena, buscará se evidenciar durante os dois primeiros séculos da presença dos portugueses na América, a maneira como os antigos moradores da terra resistiram e se adaptaram à nova situação, lançando assim o desafio de recuperar “o papel histórico de atores nativos na formação das sociedades e culturas do continente” (Monteiro, 2000, p.227).
Dessa maneira, pretendemos desconstruir a imagem tradicional que entende o índio de forma cristalizada, aceita como menos índio aquele homem que de alguma maneira se apropriou de instrumentos ou representações do conquistador europeu, compreendendo os nativos como “vítima do genocídio e etnocídio, sim, mas também capazes de repensar sua própria história e reconstruí-la, mediante sua inserção no mundo colonial e nos processos políticos que se desencadeavam a partir das expedições de apresamento” (Pompa, 2014, p.67). Para tal intento trabalharemos com documentos que tornam possível problematizar a tradicional dicotomia entre o índio aculturado e o índio puro. Para Almeida, “as fontes revelam que os índios souberam transformar-se e reelaborar seus valores, culturas, interesses, objetivos e até identidades” (Almeida, 2003, pp.28-29).
Há uma variedade de relatos que podem ser trabalhados com os alunos para que se alcancem os objetivos propostos, dentre esses relatos, os mais interessantes parecem, a meu ver, aqueles produzidos pelos jesuítas, uma vez que estes padres, ao vivenciar um intenso contato com tribos de diferentes locais da colônia, organizaram em cartas todo o processo de catequização, com suas estratégias e artifícios, mas também narraram as formas como estes índios resistiram à imposição do europeu reelaborando práticas na busca da preservação de sua identidade.
Em termos de materiais, será necessário o acesso a fontes primárias impressas ou fotocopiadas para que estas sejam distribuídas aos alunos. Propomos a utilização de relatos produzidos pelos padres jesuítas, devido ao intenso contato desses com os índios e pelo fácil acesso de suas cartas que foram compiladas e acessíveis em bibliotecas públicas ou mesmo de maneira digital.
A aula será dividida basicamente em quatro fases: a primeira, quando o professor através de uma aula expositiva, dará um enfoque teórico a respeito da nova maneira de encarar o índio na História e apresentar aos alunos alguns conceitos desenvolvidos pela antropologia, tais como cultura, aculturação, representação; na segunda fase a turma será dividida em grupos de quatro alunos e estes terão acesso a fontes primárias produzidas principalmente por missionários que tiveram intenso contato com os índios; a terceira parte, quando estes alunos além de produzir um texto escrito como forma de se familiarizar com as informações contidas nessa fonte, deverão analisar o tipo de discurso presente nessas, buscando entender quais informações poderiam estar nas entrelinhas do documento; e por fim a quarta parte, quando cada grupo deverá expor para seus colegas de sala o documento recebido para que possam ser avaliados em conjunto pelos outros grupos mediante aquilo que estes puderam colher a respeito dos documentos recebidos.
A avaliação dos alunos participantes da atividade se dará de diversas maneiras nas quais o professor buscará considerar várias competências e habilidades de seus alunos. Tal processo de avaliação se dará a partir da segunda parte da aula, quando o professor deverá analisar a interação dos alunos em torno do documento entregue aos mesmos e a pertinência das interpretações surgidas no trabalho em grupo que deverá se refletir na escrita de um texto em conjunto, possibilitando um segundo momento de avaliação.
Na última parte da aula, (e terceira da avaliação), o professor analisará a capacidade de comunicação oral dos alunos através da exposição desses sobre os documentos recebidos. Espera-se que os alunos sejam capazes de apresentar uma visão mais complexa sobre as relações entre os índios com os europeus durante o período colonial e também que sejam capazes de perceber a inserção dos nativos na nova sociedade que nascia, na qual encontrar-se-ão elementos dos antigos moradores da terra em suas mais diversas manifestações culturais.
A formalização dessas avaliações se dará através do texto escrito por cada um dos grupos participantes da atividade e por meio da observação direta do professor, levando-se em conta as intervenções positivas dos alunos ao longo das discussões previstas.
Aula expositiva na qual o professor deverá apresentar de forma breve a maneira como tradicionalmente se narrou a história dos índios no Brasil para, em seguida, disponibilizar aos alunos informações que possam problematizar tal abordagem sobre esse tema. É o momento quando o professor irá informar seus alunos sobre alguns conceitos próprios da historiografia e também conceitos desenvolvidos pela antropologia, dando-lhes instrumentos para uma análise posterior de fontes primárias. Mais do que isso, convém lembrar aos alunos que os documentos trabalhados, por mais que sejam importantes fontes de informação sobre os índios, como alerta Vainfas, “são os olhares europeus que presidem a coleta das informações e a estrutura das narrativas; olhares em parte etnográficos, em parte demonizadores; a decifração de tais narrativas não é, portanto, tarefa fácil, movendo-se insegura em terreno pantanoso” (Vainfas, 1995, p.51).
Divisão da turma em grupos de quatro alunos e a posterior entrega de fontes produzidas pelos europeus que buscaram descrever os índios quanto a seus hábitos, costumes e sua presença em diversos eventos ocorridos durante os primeiros séculos da presença portuguesa no continente americano. Dentre as descrições produzidas pelos jesuítas que podem ser entregues aos alunos, visualizamos a utilização de várias delas, pois atendem o nosso propósito e podem ser entendidas como possibilidades de trabalho.
A primeira descrição foi produzida pelo padre Ruiz de Montoya que esteve presente na região do Guaíra (correspondente à região do Estado do Paraná e algumas regiões de domínio espanhol) durante a primeira metade do século XVII. Montoya vivenciou ali o processo de catequese, mas também a resistência cultural e física do indígena que era alvo das ofensivas paulistas. O seu “Conquista Espiritual feita pelos Religiosos da Companhia de Jesus nas Províncias do Paraguai, Paraná, Uruguai e Tape” possui diversos capítulos que podem ser utilizados no trabalho com os alunos, sendo tal livro passível de ser encontrado em bibliotecas.
Um segundo relato é o do padre João Daniel que viveu dezesseis anos na região do atual estado do Amazonas e Pará no início do século XVIII e escreveu o extenso documento “Tesouro Descoberto do rio Amazonas”, no qual descreve os hábitos das diversas tribos que viviam próximas ao rio. Neste documento é possível encontrar curiosas transformações e adaptações ocorridas nos costumes destes índios no contato com os europeus. Tomamos como referência as indicações de Carvalho Júnior, historiador que fez interessantes apontamentos sobre os relatos do padre João Daniel. Assim apresentamos brevemente algumas passagens que podem ser usadas no trabalho e distribuídas aos alunos:
1) A primeira passagem escolhida diz respeito a habilidade dos índios imitarem os europeus quanto às técnicas de produção de utensílios. Esta passagem está contida no capítulo 13º “Da grande habilidade e aptidão dos índios” (pp.248-253 do arquivo digital em anexo), no qual o padre se mostra impressionado pela rapidez com que os índios, que vendo apenas uma vez um artesão europeu em seu trabalho, logo adquiriam uma técnica bastante apurada.
2) A segunda passagem refere-se às técnicas de navegação entre os índios do Amazonas conhecidas como “ritual das danças dos remos” que segundo Carvalho Junior, muito provavelmente foi uma invenção colonial, ou seja, “uma adaptação da técnica tradicional para as exigências coloniais, que os obrigavam a desenvolver uma agilidade e velocidade constantes, aliadas a um número de horas de trabalho nos remos absurdamente extenuantes” (Carvalho Júnior, 2013, p.79).
Esta informação se encontra no capítulo 14º “De alguns outros costumes dos índios” (pp.253-527 do arquivo digital em anexo).
3) Por fim, escolhemos como terceira passagem o capítulo 18º “Prossegue-se a mesma matéria” (p. 267-272 do arquivo digital em anexo), no qual João Daniel apresenta a ambígua situação das mulheres indígenas que entre trabalhar de maneira penosa na roça dos jesuítas, segundo Carvalho Júnior, optavam por ficarem na casa dos brancos na situação de escravas. Estas trabalhavam em diversos serviços domésticos e como amantes dos seus senhores. De um lado, os brancos as utilizavam para o trabalho e para o sexo; de outro, era-lhes imposta uma moral estranha”, contudo, “embora cristãs, não perderam por completo o vínculo com seus referenciais culturais tradicionais, por isso, foram consideradas hereges pelo poder da igreja (Carvalho Júnior, 2013, p.95). Assim, com tal fonte pode-se demonstrar as complexas relações que se desenvolveram entre os brancos e os índios e que vivenciaram uma situação única na transformação de sua cultura, não deixando com isso, de serem índios.
A partir do texto escrito por cada grupo, os alunos deverão apresentar seminários, tendo como base as conclusões obtidas através das fontes analisadas, e suas implicações na maneira de se abordar a presença do índio e de sua cultura na América Portuguesa. Estes alunos deverão estar abertos ao diálogo com os outros grupos e também às possíveis intervenções do professor que deverá colaborar com os mesmos na interpretação de tais documentos.