]7ª ONHB – Olimpíada Nacional em História do Brasil

As coletividades anormais
Trecho de Livro

“Alguma coisa mais do que a simples loucura de um homem era necessária para este resultado e essa alguma coisa é a psicologia da época e do meio em que a loucura de Antônio Conselheiro achou combustível para atear o incêndio de uma verdadeira epidemia vesânica.

As leis que regem a manifestação epidêmica da loucura são precisamente as mesmas que Lasègue e Falret formularam desde 1877 para o caso mais simples do contágio vesânico, o caso do delírio a dois. Três momentos básicos reconhecem essas leis.

Em primeiro lugar, a existência de um elemento ativo que cria o delírio e o impõe à multidão que passa a representar o elemento passivo do contágio. Aceitando embora as idéias delirantes, a multidão reage por seu turno sobre o elemento ativo, retificando, emendando, coordenando o delírio que só então se torna comum.

Em segundo lugar, é indispensável uma convivência prolongada das duas ordens de espíritos, ‘vivendo de uma vida comum, no mesmo meio, partilhando o mesmo modo de existência, os mesmos sentimentos, os mesmos interesses, os mesmos temores, as mesmas esperanças e estranhos a qualquer outra influência exterior’.

Em terceiro e último lugar o contágio do delírio requer nele ‘um caráter de verossimilhança à sua manutenção nos limites do possível, repousando em fatos ocorridos no passado ou em temores e esperanças concebidas para o futuro’.

Em Canudos representa de elemento passivo o jagunço que corrigindo a loucura mística de Antônio Conselheiro e dando-lhe umas tinturas das questões políticas e sociais do momento, criou, tornou plausível e deu objeto ao conteúdo do delírio, tornando-o capaz de fazer vibrar a nota étnica dos instintos guerreiros, atávicos, mal extintos ou apenas sofreados no meio social híbrido dos nossos sertões, de que o louco como os contagiados são fiéis e legítimas criações. Ali se achavam de fato, admiravelmente realizadas, todas as condições para uma constituição epidêmica de loucura”

Glossário

Vesânica: vem de vesânia; nome genérico das diversas formas de alienação mental; mania, loucura, disparate, incongruência, extravagância, insensatez.

Lasègue: Charles Lasègue nasceu em Paris, em 1816. Tendo feito sua formação psiquiátrica na Salpêtrière sob a orientação de Jean-Pierre Falret, tornou-se conhecido pela acuidade e precisão de suas descrições clínicas. Algumas das entidades mórbidas por ele isoladas renderam-lhe a imortalidade na história da psiquiatria. É a ele que devemos a descrição do “delírio de perseguição” (1852), da chamada folie à deux (feita em parceria com Jules Falret, em 1879) e inúmeros trabalhos fundamentais sobre o alcoolismo.

Falret : Jean-Pierre Falret foi uma figura decisiva na construção da nosologia clássica francesa. Nascido Marcilhac-sur-Célé, no sudoeste da França, Falret realiza seus estudos de medicina em Montpellier para, em seguida, realizar sua carreira de alienista, em Paris, como assistente de Esquirol, trabalhando na Salpêtrière. Em 1823, ele cria sua própria clínica em Vanves.

AULETE, Caldas. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa [Portugal]: Parceria Antonio Maria Pereira, 1925, Disponível em: http://www.auletedigital.com.br/

Psicopatologia fundamental – Lasègue

Psicopatologia fundamental – Falret

Sobre este documento

Título
As coletividades anormais
Tipo de documento
Trecho de Livro
Palavras-chave
Primeira República História da medicina Canudos
Origem

Nina Rodrigues. As coletividades anormais. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2006, p. 48-49.

Créditos

Nina Rodrigues

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