]7ª ONHB – Olimpíada Nacional em História do Brasil

Memórias de um Sargento de Milícias, 1852
Literatura

“Os leitores devem já estar fatigados de histórias de travessuras de criança; já conhecem suficientemente o que foi o nosso memorando em sua meninice, as esperanças que deu, e o futuro que prometeu. Agora vamos saltar por cima de alguns anos, e vamos ver realizadas algumas dessas esperanças. Agora começam histórias, se não mais importantes, pelo menos um pouco mais sisudas.

Como sempre acontece a quem tem muito onde escolher, o pequeno, a quem o padrinho queria fazer clérigo mandando-o a Coimbra, a quem a madrinha queria fazer artista metendo-o na Conceição, a quem D. Maria queria fazer rábula arranjando-o em algum cartório, e a quem enfim cada conhecido ou amigo queria dar um destino que julgava mais conveniente às inclinações que nele descobria, o pequeno, dizemos, tendo tantas coisas boas, escolheu a pior possível: nem foi para Coimbra, nem para a Conceição, nem para cartório algum; não fez nenhuma destas coisas, nem também outra qualquer: constituiu-se um completo vadio, vadio-mestre, vadio-tipo.

O padrinho desesperava com isso vinte vezes em cada dia por ver frustrado o seu belo sonho, porém não se animava mais a contrariar o afilhado, e deixava-o ir à sua vontade. A comadre tinha conseguido o seu fim, pelo que diz respeito à sobrinha; tanto fizera, que o Leonardo, pilhando a cigana em nova infidelidade, resolveu-se… e arranjou-se… Dessa época começou ele a viver sossegado: o vento da idade começava a apagar-lhe as flamas de ternura.

D. Maria envelhecera sofrivelmente, porém não perdera de modo nenhum a sua mania favorita das demandas: a última que tivera foi talvez a mais desculpável, a mais razoável de todas. Teve por causa a tutoria de uma sua sobrinha que ficara órfã por morte de um seu irmão.

Este irmão tinha um compadre que não gozava de boa reputação: ora, tendo a órfã ficado senhora de alguns mil cruzados que deixara seu pai, ainda que este não tivesse feito testamento, por ser ela filha única e legítima, o compadre apresentou-se pretendendo ser seu tutor.

D. Maria, percebendo o caso, apresentou-se também, e afinal venceu: foi nomeada tutora, e veio-lhe a sobrinha para casa: ela estimou isso, tanto mais que a sua idade já a fazia precisar, ainda não de um apoio, porém de uma companhia.

As mais personagens continuaram no mesmo estado.”

Sobre este documento

Título
Memórias de um Sargento de Milícias, 1852
Tipo de documento
Literatura
Palavras-chave
Literatura Trabalho Relações Sociais
Origem

Manuel Antônio de Almeida. “Capítulo XVIII – Amores”. Memórias de um Sargento de Milícias. São Paulo: Circulo do Livro, s/d [1852], p. 74-75.

Créditos

Manuel Antônio de Almeida

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