O animal de que falo é, em poucas palavras, tão disforme quanto seria possível crer ou imaginar. Chamam-lhe de haü ou haüthi. Tem o tamanho de uma bugia grande da África e o ventre quase arrastando por terra. A cabeça assemelha-se muito à de uma criança. E a face também, como se poderá ver na gravura, adiante, feita à vista do natural. Quando é apanhada, solta suspiros que só um menino grande, ao sentir alguma dor. A pele é acinzentada e veluda como a de um urso ainda novo. Os pés, compridos, têm quatro dedos, mas só três unhas, feitas à maneira de espinhas de carpa, com as quais trepa às árvores, onde vive mais do que em terra. Sua cauda é do comprimento de três dedos e pouco peluda.
Outra coisa digna de memória é que ninguém jamais viu comer a esse animal, muito embora os selvagens, conforme me afirmaram, o tenham tido sob observação por longo tempo.
(…)
Acreditam algumas pessoas que esse animal vive somente das folhas de certa árvore, chamada na língua dos índios de amahut. Trata-se de uma árvore mais alta que todas as outras da região, de folhas, entretanto, pequeninas e delicadas. E porque o referido animal só ordinariamente vive nessas árvores, deram-lhe os selvagens o nome de haüt.
O haüt, quando domesticado, torna-se muito amigo do homem, a cujos ombros procura subir constantemente, como se fora de sua índole estar sempre montado em coisas altas, — o que penosamente suportam os indígenas, uma vez que andam nus e esses bichos são providos de unhas mais longas e agudas do que as do leão, ou qualquer outro animal feroz, por maior que seja.
Glossário
Bugia: Nome comum que se dá no Brasil a todas as espécies de primatas.
AULETE, Caldas. Diccionario contemporaneo da lingua portugueza. Lisboa [Portugal]: Parceria Antonio Maria Pereira, 1925, Disponível em: http://www.auletedigital.com.br/
Sobre este documento
André Thevet. Singularidades da França Antártica (tradutor: Estevão Pinto). Companhia Editora Nacional, 1944, p. 309 [1557] . Disponível em: http://www.brasiliana.com.br/obras/singularidades-da-franca-antartica/pagina/5/texto
André Thevet