“Em junho de 1922, lembrando-me de várias leituras feitas, principalmente após ter assistido a certas preleções de meus distintos e sábios mestres na Faculdade de Direito, e tendo presentes os artigos da nossa Constituição, convenci-me de que posso ser eleitora em minha pátria, à semelhança de outras mulheres em sua pátria.
Como se aproximasse uma eleição e o alistamento eleitoral se achassem em andamento, por solicitação minha, meu pai dirigiu-se ao secretário de um chefe político, perguntando-lhe se poderia incumbir-se de alistar um eleitor.
(…)
No dia marcado, quando meu pai me apresentou como sendo o candidato, notei o grande espanto daquele senhor que logo resignou toda interferência no andamento do meu processo eleitoral. (…) Mostrava-se convencido da faculdade que a lei me conferia, mas impotente e cético em encaminhar com sucesso meus documentos: ‘A senhora me desculpe, mas aqui não arranja nada, é melhor indagar direito primeiro’.
Aí também o senhor escrivão manifestou surpresa e não quis registrar diretamente o meu pedido sem consultar o Dr. Juiz.
Eis o despacho:
‘Não se reconhece ainda, no Brasil, a capacidade social da mulher para o exercício do voto. As restrições que se lhe impõem na ordem civil têm um reflexo na ordem política. É certo que não existe em nossas leis uma exclusão expressa a esse respeito. Mas também o é que várias tentativas surgiram, na discussão do nosso pacto fundamental, para precisamente tornar expresso o direito do voto feminino sem que lograsse aprovação qualquer das emendas apresentadas. (…) Mas o legislador, quando estabelece as normas sobre a capacidade, não se deixa influenciar de preferência pelo conhecimento dos casos de exceção. A verdade é que prevalecem ainda, entre nós, considerações tradicionais ao lembrarem que a missão da mulher é mais doméstica do que pública, mais moral do que política’.”
Sobre este documento
Diva Nolf Nazario. Voto feminino e feminismo. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009, p. 37-38.
Diva Nolf Nazario.