“(…) Chegaram novas pessoas para a favela. Estão esfarrapadas, andar curvado e os olhos fitos no solo como se pensasse na sua desdita por residir num lugar sem atração. Um lugar que não se pode plantar uma flor para aspirar o seu perfume, para ouvir o zumbido das abelhas ou o colibri acariciando-a com seu frágil biquinho. O único perfume que exala na favela é a lama podre, os excrementos e a pinga. (…) Nós somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais. Gente da favela é considerado marginais. Não mais se vê os corvos voando as margens do rio, perto dos lixos. Os homens desempregados substituíram os corvos. (…) As oito e meia eu já estava na favela respirando o odor dos excrementos que mescla com o barro podre. Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de veludos, almofadas de cetim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo.”
Sobre este documento
Carolina Maria de Jesus. “Quarto de Despejo – Diário de uma favelada”. São Paulo: Editora Ática, 2001 (1960).
Carolina Maria de Jesus