“Entram Patrício e Benedito, casacalmente vestidos, procurando apresentar-se o mais elegantemente possível:
PATRÍCIO (olhando para o lado que saiu o coro): Lá vão elas, meu amigo, lá vão elas! Havemos de formar a nossa companhia de Revistas só com gente da raça … Só devemos aceitar elementos pretos!
BENEDITO (olhando por sua vez para o lado em que saiu o coro): Certíssimo! Lá vão elas e vão contentíssimas!
PATRÍCIO: Disso sei eu. Os patrões é que não estão muito contentes …
BENEDITO: Estão zangados e com razão. Mas que tenham paciência … Havemos de demonstrar a nossa habilidade. Em Paris, o Douglas não está com sua Companhia Negra de Revistas?
PATRÍCIO: Justamente! E dizem que não tem um único elemento que não seja preto!
BENEDITO: Muito bem; é o que devemos fazer aqui – Tudo Preto! Deve ficar interessantíssimo!
PATRÍCIO: Teremos então dentro do palco uma verdadeira constelação … preta!
(…)BENEDITO (rindo): Sabes quem vai ficar contentíssima com a organização dessa companhia? A Exma. Sra. D. Light!
PATRÍCIO: A Light? Como assim?
BENEDITO: Oh! Trouxa! Então não vês que se organizarmos a nossa companhia, teremos de trabalhar com iluminação dupla?
(…)BENEDITO: O preto deve impor-se. O preto é quem está na moda. O próprio branco brasileiro, despido de preconceitos, reconhece isto e nos adora. A prova é que temos grandes comerciantes e capitalistas que para fazerem qualquer transação exigem sempre o preto no branco …
PATRÍCIO: É mesmo …
BENEDITO: Olha, toda senhora, bonita ou feia, gosta do preto. Trá-lo sempre no rosto … O preto é a menina dos seus olhos!
PATRÍCIO: Tem razão! Nós somos de fato!
BENEDITO: Olaripes! Somos de fato. Qualquer pessoa que compra um bilhete de loteria, não deseja em nenhuma hipótese, que ele saia branco. Logo…
PATRÍCIO: Tens razão. Estamos “ascendendo”.
BENEDITO: Estamos “ascendendo”, é verdade. Temos a Ascendina com o doutor Jacarandá!
PATRÍCIO: Vá lá, que assim seja! Mas também tivemos homens de verdadeiro valor, como Henrique Dias, Cruz e Souza, André Rebouças, Luís Gama, José do Patrocínio e outros.
BENEDITO: Eu sei, meu velho. Estava gracejando. Por saber que tivemos personalidades como as que citaste, é que tive a ideia de organizar com a gente da raça uma coisa homogênea, a fim de honrar suas memórias…”
Glossário
Ascendina: Ex-cozinheira, Ascendina dos Santos foi a primeira atriz negra a alcançar notoriedade no teatro nacional, tendo alcançado projeção na Companhia Carioca de Burletas antes de integrar o elenco da Companhia Negra de Revistas.
Jacarandá: Negro, Doutor Jacarandá era um personagem do Rio de Janeiro frequentemente citado no teatro de revista. Aparecia com frequência na imprensa da época, sendo sempre referido como um advogado medíocre que tentava dar mostras de erudição a partir de seu vocabulário rebuscado.
Tiago de Melo Gomes. Um espelho no palco. Identidades sociais e massificação da cultura no teatro de revista dos anos 1920. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004.
Sobre este documento
Trechos da peça teatral “Tudo Preto”. Companhia Negra de Revistas, 1926. In: Tiago de Melo Gomes. Um espelho no palco. Identidades sociais e massificação da cultura no teatro de revista dos anos 1920. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004, p.303-306.
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