E-9 “(…) Eu nunca cheguei a morar, conhecer minha mãe. Quando eu peguei na mão dela, eu apanhei. Quando eles levavam os pais para ver a gente lá no Preventório, eles faziam uma fila. Mas, a gente só podia passar, e acenar. Não podia pegar na mão, nem nada. Não podia ter contato. Aí, esse dia, eu tentei pegar na mão da minha mãe. E esse dia, eu apanhei muito de palmatória. Eles tiraram sangue no meu nariz. Fiquei no quarto escuro de um dia para o outro, sem receber nem água, nem comida. Aí, eles me falavam assim: ‘você não podia ter feito isso. Não era para pegar naquelas mãos sujas imundas’. Apanhei demais esse dia. Aí, eu falei: ‘vou apanhar satisfeita. Pode me bater. Eu peguei na mão da minha mãe mesmo’. Foi a última vez que eu vi minha mãe. Nunca mais eu tive contato com ela. Quando eu voltei para colônia, ela já tinha falecido, e eu já estava com filho nos braços. Minha mãe não tinha as mãos. Só até certa parte. Os pés também ela só tinha o toquinho. Aí, eu agarrei na mão dela para ir embora com ela, para tomar benção dela. Daí, eles tomaram o doce que ela me deu (…). Lá, a gente não tinha o direito de obter as coisas que os pais doavam para gente, não. Na mente deles, era que a doença ia contaminar eles também. Era nojento, era porco para eles (…)”
Sobre este documento
Lembranças de E-9 (anonimato preservado), filha de pais com hanseníase, obrigada a viver em um Preventório. Estas memórias foram narradas no ano de 2010, numa reunião de filhos separados em Ubá, Minas Gerais.
Cadernos Morhan. Filhos Separados, 2012. http://www.morhan.org.br/ (biblioteca)
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