"Eu, El Rei. Faço saber aos que esse Alvará de Lei virem, que sendo me presente que os Ciganos, que deste Reino tem ido [degredados] para o Estado do Brasil, vivem tanto à disposição de sua vontade, que usando dos seus prejudiciais costumes, com total infração das minhas Leis (...)"
A partir do documento é possível afirmar que:
Alternativas
Comentário
O termo “cigano”, usado no documento, tinha, e ainda tem, forte conotação pejorativa. Os diversos grupos étnicos que formam o povo cigano preferem outras designações, como Rom, Sinti e Calon. Sua origem é controvertida, mas em geral aceita-se que ocorreu há cerca de mil anos quando houve uma diáspora que teve início na região do noroeste da Índia em direção ao que hoje é a Turquia e, a partir do século XV, em direção à Europa Ocidental. Esse termo é, muitas vezes, associado a qualidades negativas, como se pode observar no documento. Nele, os “ciganos” se tornam sinônimo de “gente inútil e mal educada”, o que indica, ao menos, o processo de consolidação desse estereótipo que é, ainda na contemporaneidade, reproduzido em relação a eles.
Nesse sentido, a análise do Alvará denota os esforços feitos pela Coroa para criminalizar os costumes e hábitos próprios desse povo, que muito diferiam daqueles conhecidos pelos portugueses. No documento, D. José I, Rei de Portugal, acusa os ciganos de descumprirem as leis da Coroa e agirem de acordo com as suas próprias regras, causando desordem pública. Dessa maneira, ele ordena que os rapazes sejam entregues judicialmente a mestres, que lhes ensinariam os ofícios mecânicos; já os adultos, que atuem como soldados nos presídios (praças nas quais os soldados guardam o território) ou trabalhem em obras públicas. Ainda os proibia de comerciarem e andarem em grupos, como tinham por costume. Todas essas eram formas de eliminar hábitos e tradições dos ciganos. O Alvará ainda prevê uma penalidade para transgressões às ordens expressas nele: a de degredo, por toda a vida, para a Ilha de São Tomé, ou Príncipe [atual República Democrática de São Tomé e Príncipe].
O degredo, ou pena de desterro, era aplicado pela Coroa portuguesa quando cometidos determinados crimes e podia variar entre uma condenação perpétua ou temporária. Para além da dimensão jurídica, ele ainda pode ser analisado do ponto de vista do povoamento das colônias – na impossibilidade de recrutar voluntários livres para habitar o Novo Mundo, recorreu-se, com frequência, ao sistema de envio de degredados. Apesar de ser aplicado em grande escala ao povo “cigano”, o degredo não objetiva seu extermínio, sendo aplicado também a portugueses.