“Nossa narrativa começa a partir do dia 27 de fevereiro de 1929, quando José Nobre de Lima, esposo de Antônia Nobre de Lima, falecida no dia anterior, prestou queixa na Delegacia de Polícia de Rio Branco contra o médico higienista Sebastião de Melo, que se recusava, veementemente, a emitir o atestado de óbito da falecida (...)."
A partir da leitura do documento, é possível afirmar que:
Alternativas
Comentário
O processo de urbanização das cidades brasileiras, na virada do século XIX para o século XX, aconteceu a partir de seu desenvolvimento econômico, político e social e teve como um de seus efeitos o aumento significativo do quadro de serviços públicos, exigindo a criação de uma nova estrutura burocrática e estatal que atendesse às novas demandas urbanas. Parte dessa nova maneira de administrar era realizada por meio de mecanismos regulamentadores e disciplinadores da população e do território, visando a uma normatização e controle de seu crescimento.
Um desses dispositivos era o Código de Posturas, conjunto de leis e normas criado ainda no século XIX que estabelecia regras de comportamento e convívio para uma determinada comunidade, pretendendo ditar as condições favoráveis e sadias para a vida nas cidades. Nessas condições, eram legislados tanto os espaços públicos – desinfecção dos lugares comunais, limpeza dos terrenos baldios, drenagem de pântanos, recolhimento do lixo para fora da área urbana, construção de sistema de esgotos etc. – quanto os privados – disciplinando as maneiras de construir moradias, eliminando cortiços e construções “irregulares”, dentre outras medidas. Tais Códigos, dessa maneira, podem se enquadrar nas políticas de controle do espaço urbano, configurando-se como mecanismos regulamentadores que desejavam manter a ordem e a moral públicas. Regulamentar a cidade também significava inibir a ação de indivíduos que poderiam desafiar o poder do Estado. Portanto, tiveram uma dimensão preventiva, inibindo o indivíduo e a população em geral de cometer desvios que pudessem colocar em risco o ambiente salubre da cidade.
No caso relatado pelo documento, a criminalização pelo Código de Posturas de Rio Branco de 1928 de práticas de “curandeirismo” representa essa vontade de normatizar comportamentos e práticas dos cidadãos. O discurso médico, nesse caso, pretendendo se legitimar como portador do monopólio de um saber, tenta transformar essas práticas em ilegítimas e juridicamente ilegais caracterizando-as como perigosas e, portanto, sujeitas à repressão policial. O embate entre Zenon, o acusado de curandeiro, e Sebastião Melo, a autoridade médica, também indica, então, o confronto entre diferentes saberes, nos quais a medicina julgava-se portadora de toda legitimidade e julgava os demais saberes como atrasados e não-científicos.
A homeopatia, apesar de ter chegado no Brasil em 1840, com a vinda de especialistas franceses, só foi reconhecida como especialidade médica pela Associação Médica Brasileira em 1980, e apenas no ano seguinte foi inclusa no rol de especialidades da medicina pelo Conselho Federal. Atualmente o conhecimento sobre a homeopatia, ainda controverso, começa a adentrar universidades e cursos de graduação médica, ora como disciplina opcional, ora como parte da grade curricular.
No final do relato é narrado o irônico desfecho, no qual a Diretoria de Higiene afirma ser incapaz de cumprir com os protocolos modernos da administração da cidade, por não possuir investimentos necessários e faltarem-lhe os aparelhos, instrumentos e materiais necessários. Em 1929 o quadro da Diretoria de Higiene de Rio Branco era composto por apenas seis médicos, responsáveis por atender a todo o território. Como a população estimada era de aproximadamente 120 mil habitantes, tinha-se uma média de um médico para cada 20 mil habitantes.