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“Capítulo CIX Em que se declara a qualidade das cobras, lagartos e outros bichos (...)"
Sobre o excerto podemos afirmar que:
Alternativas
Comentário
O Tratado Descritivo do Brasil (1587], de Gabriel Soares de Souza, é uma obra que descreve extensamente os aspectos geográficos, a fauna, a flora e as gentes do Brasil e que foi escrita com o objetivo de angariar fundos para uma expedição em busca de minas de prata no sertão brasileiro. Segundo o historiador John Monteiro, excetuando-se a obra de Pero Magalhães de Gandavo e algumas cartas de jesuítas que foram muito disseminadas na Europa, as obras portuguesas mais significativas, como a de Gabriel Soares e a de Fernão Cardim, circularam apenas em versões manuscritas e por séculos mantiveram-se inéditas. Foi somente no século XIX que as diversas versões manuscritas, e bastante diferentes, do texto de Gabriel Soares de Souza, foram publicadas como uma obra e sob o nome Tratado Descritivo do Brasil. Ainda segundo John Monteiro, a primeira edição completa foi publicada em 1825, pela Real Academia de Ciências de Lisboa, com o título de Notícias do Brasil, sobre a qual Francisco Adolfo de Varnhagen escreveu uma longa crítica histórica, publicada em 1838. Em 1879, Varnhagen, após um cuidadoso trabalho de busca e identificação dos manuscritos (o historiador encontrou 17 versões diferentes do texto de Soares) publicou o Tratado Descritivo do Brasil. Autores como Von Martius, Robert Southey e Ferdinand Denis já haviam utilizado os manuscritos de Gabriel Soares de Souza como fonte para seus estudos sobre o primeiro século da colonização brasileira, mas seria a publicação de Varnhagen que solidificaria a obra como um referencial para os estudos etnográficos brasileiros.
O trecho selecionado para esta questão traz uma descrição – elaborada a partir de informações fornecidas pelos nativos, por outros europeus e pelo conhecimento pessoal de Soares – bastante detalhada de um animal desconhecido na Europa, a cobra jiboia. Os viajantes e exploradores do Brasil costumavam incluir, em suas narrativas, elementos do imaginário de outros autores, viajantes, colonos e dos próprios indígenas com os quais deparavam ao longo de suas jornadas. O imaginário fantasioso faz parte da construção das diversas narrativas em torno do Novo Mundo, que ora era apresentado como um pedaço do paraíso na terra, ora como uma terra desconhecida repleta de perigos e pecados. A construção da jiboia como um animal extremamente grande, forte e capaz de se regenerar, compõe esse imaginário que coloca o território recém-descoberto como o local do improvável e do desconhecido.
Os indígenas, apesar de servirem, por muitas vezes, como guias e informantes para os estrangeiros nas viagens pelo novo território eram constantemente colocados como selvagens. No trecho destacado, Gabriel Soares colocou-os como mais um elemento da descrição da paisagem, compondo, ao lado de outros animais, a dieta da cobra. Esse deslocamento é feito para reafirmar a posição do europeu viajante como civilizado e o indígena como selvagem.